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Nós, Enlutados da Pandemia No Brasil: Relações Entre Luto e Política a Partir da Perda de Mães ou de Pais por Covid-19, Os

15 de Abril, 2025 . Teses Márcio Bruno Barra Valente

Nos seus dois primeiros anos, a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) impactou os modos de viver e de morrer. No Brasil, foram mais de 700 mil pessoas mortas que deixaram milhões de brasileiros enlutados, vivenciando suas perdas em condições precárias em razão dos impactos causados pelo vírus e da gestão da crise sanitária do governo federal. O objetivo desta pesquisa consiste em investigar as experiências com o luto por Covid-19 de filhos adultos que perderam seus pais ou suas mães. Foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas: duas mulheres que perderam seus pais em 2020; um homem e uma mulher que perderam suas mães em 2021. Tais entrevistas foram inspiradas pela fenomenologia hermenêutica heideggeriana, assim, buscou-se acompanhar os enlutados em suas afetações e compreensões, permanecendo junto deles como uma testemunha do que vivenciaram. Cabe destacar que a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA (Nº do Parecer: 5.452.525). Os sentidos possíveis foram organizados em três perspectivas distintas e complementares: (1) o morrer de um familiar por covid-19 durante a crise pandêmica; (2) o luto por Covid-19 na pandemia no Brasil; (3) o luto e a gestão do governo federal no combate ao novo coronavírus e a pandemia. Em linhas gerais, tais sentidos evidenciam uma transformação na experiência da perda e da vivência do luto a partir do novo coronavírus durante a pandemia no Brasil. Os filhos adultos vivenciaram seus lutos a partir de perdas ocorridas enquanto saúde pública colapsava, sendo súbitas, traumáticas e distantes do contato familiar. Tais enlutados não realizaram rituais de despedida em razão das medidas de segurança contra o contágio. Não obstante, o não acesso ao corpo do falecido e a urgência no sepultamento ou cremação, que deveriam ocorrer em até 24h, foram decisões políticas da União sem respaldo científico e que impediram os familiares de velarem seus entes amados, conforme suas tradições ancestrais, culturais e religiosas. Os enlutados compreendem suas experiências a partir de sentimentos de raiva, marcada pela consciência de se reconhecerem vítimas da violência estatal, seja pela postura do então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, de negação do vírus, boicote das medidas de segurança e políticas emergenciais, deboche dos mortos e seus enlutamentos. Mas também pela morosidade do Ministério da Saúde na compra da vacina contra o Covid-19, a qual se mostrou como parte de uma estratégia do governo de imunizar a população pela contaminação em massa, independentemente dos impactos disso na população. Embora não tenhamos condições adequadas para um distanciamento histórico necessário para realizarmos conclusões mais estáveis e definitivas, certamente, podemos apontar o luto por covid-19 como uma nova manifestação do enlutamento, sendo marcada pela precarização e rompimento de percursos esperados, assim, exigindo novas compreensões e práticas de intervenções profissionais e político-governamentais. Isso posto, concluímos, que o luto da pandemia no Brasil não pode ser tematizado apenas como uma vivência privada, nesse sentido, deslocada do coletivo e despolitizada. Por isso, argumentamos que a sua compreensão exige um entrelaçamento entre o privado, o coletivo e o político, em um só tempo. Além disso, precisamos encontrar formas de validar o luto das perdas na pandemia brasileira, não ignorando ou silenciando tal experiência, seja através da produção de pesquisa e de investimentos na rede de saúde pública e da assistência social que contemple as demandas das populações atingidas, seja pelo reconhecimento do Estado brasileiro acerca dos crimes praticados na gestão da pandemia durante o governo Bolsonaro, promovendo ações afirmativas que contemplem os enlutados nas diversas necessidades provocadas para que essas possam se tornar restaurativas. Por fim, enfatizamos a necessidade de novas pesquisas e a criação de uma clínica psicológica do luto por covid-19.

Autor(a)

Márcio Bruno Barra Valente

Orientador(a)

Cezar Luis Seibt

Curso

Psicologia

Instituição

UFPA

Ano

2023