A tese apresenta os resultados de um estudo realizado com coletivos quilombolas de Salvaterra, Ilha de Marajó, cujo objetivo foi compreender como sujeitos quilombolas têm cuidado da saúde. Publicações sobre saúde da população negra e, em número mais escasso, sobre quilombolas, indicam inúmeras dificuldades de acesso ao Sistema Único de Saúde, oficial no país. Experiências empíricas junto a esses coletivos permitiram a constatação de dificuldades de acesso, mas também a identificação de práticas terapêuticas locais, como o uso de plantas e produtos de origem animal, práticas de benzeção e técnicas de manipulação corporal, desenvolvidas por benzedeiras, parteiras, curandeiros (pajés), entre outros(as) especialistas. Por esta razão foi elaborada a tese: o Sistema de Saúde Local tem primazia sobre o Sistema de Saúde Oficial, não apenas pelas facilidades de acesso, mas acima de tudo pelas afinidades socioculturais entre os sujeitos envolvidos e identificação com as práticas terapêuticas. O método comparativo propiciou o movimento entre sete comunidades quilombolas e favoreceu a construção de um conjunto de conhecimentos que integram não apenas semelhanças, mas também variedade. Semelhanças foram identificadas nas noções de saúde que combinam dimensões espiritual, psicossocial, socioambiental e biológica, geralmente, não consideradas no Sistema de Saúde Oficial, que se orienta em torno da dimensão biológica. Na percepção dos sujeitos quilombolas, para ter saúde é preciso ter alimentação saudável e direito ao território, se prevenir “das coisas ruins” e assim cuidar do espírito, respeitar os seres vivos em roupagens humanas ou não, e cuidar do ambiente. A semelhança entre as noções de saúde, no entanto, não geram padrão idêntico na escolha dos itinerários terapêuticos. Estes são influenciados também por experiências de vida, vínculos religiosos ou denominacionais e pelas percepções sobre a resolutividade dos sistemas de saúde, avaliada com base no poder dos conhecimentos, local e científico, que subsidiam os sistemas. Foram identificadas seis tendências distintas, mas em todas elas o itinerário terapêutico se inicia no âmbito do Sistema de Saúde Local, sendo o Sistema Oficial procurado em caráter complementar. Em todas as circunstâncias foram mantidos os vínculos com o Sistema Local, independente de se ter acesso ou não ao Sistema Oficial, confirmando assim a tese elaborada. Contudo a questão do acesso não pode ser desprezada, pois ao contrário do Sistema de Saúde Local, no qual os recursos terapêuticos estão à porta de casa, para buscar o Sistema de Saúde Oficial, quando se faz necessário, “tem que ter muito estômago”.
“Não é Só Médico Que Cura, Não é Só a Medicina Que Cura”: Perspectivas Sobre Saúde Entre Coletivos Quilombolas no Marajó – Pará/Brasil
Cristina Maria Arêda Oshai
Orientador(a)
Jane Felipe Beltrão
Curso
Antropologia
Instituição
UFPA
Ano
2017