Esta tese analisa as práticas de cativeiro, escravidão e liberdade dos índios e seus descendentes mestiços na Amazônia portuguesa durante os séculos XVII e XVIII. A região amazônica, desde o século XVII, esteve inserida nas rotas globais da escravidão, nas quais as rotas transamazônicas forneceram indígenas para os aldeamentos, vilas e também para os portos do Caribe e da Europa. Em vista do tráfico e as injustiças do cativeiro, nas conquistas portuguesas houve o estabelecimento de regimes de normatividades que regulamentaram as práticas de arregimentação – descimentos, resgates e guerras justas – da indispensável mão de obra indígena. As normatividades, além das dicotomias livres e escravos, aliados e inimigos, free ou unfree, estabeleceram uma gama de condições jurídicas que regulavam a inserção dos indígenas e mestiços na sociedade colonial, tais como forro, livre, cativo, prisioneiro, escravo e dado de condição. Estes regimes normativos eram dinâmicos e suas reformulações estavam interligadas com os processos multifacetados da região e as transformações ocorridas nas conjunturas globais do reino português. Entre esses processos, as dinâmicas de mestiçagem ocuparam um lugar central, sendo um aspecto constitutivo das leis referentes aos índios e seus descendentes. Independente das normatividades, mulheres e homens indígenas, através das suas sociabilidades com pessoas de diversas qualidades e condições jurídicas, foram sujeitos ativos das mestiçagens e também foram produtores de novas categorias de qualificações sociais. Assim, defendo que esse conjunto de normatividades jurídicas, associadas às qualificações das identidades sociais, afirmavam as dependências assimétricas nas quais indígenas e mestiços estavam inseridos dentro das hierarquias sociais na Amazônia colonial. Por sua vez, estes sujeitos, a partir das suas interagências com os demais agentes da sociedade, também souberem utilizar as leis vigentes e as tornaram inteligíveis a seu favor. Sendo assim, a presente pesquisa, por meio das ações de liberdades do Tribunal da Junta das Missões e os autos de libelo cível de liberdade do Juiz Privativo das Liberdades, analisa o acesso de índios e mestiços às esferas da justiça para denunciar o injusto cativeiro a que foram submetidos e para obter o reconhecimento das suas liberdades. Os cativos em juízo faziam uso das memórias familiares a fim de (re)afirmar suas origens indígenas e/ou denunciar as ilegalidades com que seus parentes foram resgatados e aprisionados nos sertões e várzeas do rio Amazonas e levados para os espaços coloniais. Tal estratégia, além de uma qualificação social, tinha uma dimensão jurídica e sociopolítica, pois as procedências indígenas poderiam lhes garantir direitos, sobretudo, suas liberdades.
Memórias dos Sertões: As Práticas de Cativeiro, Escravidão e Liberdade de Índios e Mestiços na Amazônia Portuguesa (Séculos XVII-XVIII), As
André Luís Bezerra Ferreira
Orientador(a)
Karl Heinz Arenz
Curso
História
Instituição
UFPA
Ano
2023