O acidente por escalpelamento é uma triste realidade que ainda faz parte do cenário amazônico paraense ribeirinho, apesar de todos os esforços empreendidos para a sua erradicação. O escalpelamento consiste no arrancamento parcial ou total do couro cabeludo, inclusive de orelhas e pálpebras, que acontece dentro de pequenas embarcações rudimentares, com o motor adaptado na parte central do barco. As vítimas, na sua maioria meninas e mulheres, quando próximas do motor, ao menor descuido, têm seus cabelos enroscados no eixo e brutalmente arrancados. Em decorrência do acidente, tornam-se pessoas marcadas em sua aparência física e, sem exceção, sofrem trauma psicológico e social, foco de curiosidade, estranhamento e preconceito devido ao estigma de serem escalpeladas. A questão é preocupante porque dados estatísticos indicam ainda a incidência desses acidentes. Além das dificuldades causadas em função do longo tratamento, a criança/jovem enfrentará preconceitos também no ambiente escolar ao retornar ao seu município de origem. Neste sentido, este estudo apresenta como temática a ação pedagógica dos (as) professor (as) para a inserção social de meninas vítimas de escalpelamento, de modo que possamos compreender os sentidos e significações que se manifestam (implícita ou explicitamente), suas limitações, possibilidades e desafios no cotidiano escolar. Trata-se de uma pesquisa de campo com professores (as), de abordagem qualitativa descritiva, tendo as narrativas autobiográficas como referencial teórico-metodológico a fim de direcionar a investigação visando desvelar o material subjetivo presente na vivência desses sujeitos. Nosso intuito é compreender a produção de saberes, sentidos e significados que se manifestam nas ações docentes, necessitando para tanto operar com a subjetividade, a perspectiva e os modos particulares que estes se relacionam com a menina mutilada, buscando extrair dos docentes elementos que identifiquem limites e possibilidades para o processo pedagógico. As análises demonstram ausência de formação profissional por parte dos(as) professores(as) para lidar com as questões que envolvem os processos de aceitação e reconstrução da autoimagem das meninas/ vítimas, uma vez quenão há planejamento para lidar com as condutas preconceituosas e discriminatórias dos(as) alunos(as), reforçando o entendimento de que os sentidos do agir docente baseiam-se em juízos fundamentados não apenas nos padrões, normas sociais ou valores morais impostos e apreendidos nos seu contexto sociocultural desde sua infância, mas em juízos práticos fundamentados nas emoções, desejos, dores, sentimentos, afetos e experiências para tomar uma decisão interventiva. Assim, os sentidos que guiam as ações docentes carregam traços da sua personalidade profissional, onde se ancoram a sua habilidade de saber-fazer – saberes experienciais que brotam e são validados na práxis cotidiana -, mas também na habilidade de saber-ser, saberes de sua própria história de vida. É nesse contexto que as ações pedagógicas com a menina/vítima,ganham contornos particulares, muito mais relacionados à negociação, improvisos e adaptações do que propriamente a técnicas científicas previamente concebidas, ditadas pelo intelectual e acadêmico, mas pela condição de humanidade, sentimentos e afetividadeque mobiliza e modela as interações. Sua ação fundamenta-se em sua práxis social, que é complexa, entrelaçada de subjetividades, representações e interações simbólicas, permeadas de incertezas e implicações éticas.
Corpo Escalpelado: Possibilidades e Desafios Docentes no Cotidiano de Meninas Ribeirinhas na Amazônia Paraense, O
Edwana Nauar de Almeida
Orientadores(as)
Lucélia Moraes Braga Bassálo
Salomão Antônio Mufarrej Hage
Curso
Educação
Instituição
UFPA
Ano
2016