Com o advento da pandemia e o quantitativo assustador de mortes, principalmente em adultos e idosos, revelou-se a urgência de se pensar em luto coletivo. Esse contexto se torna ainda mais crítico no campo da saúde mental das crianças, que experimentaram perdas repentinas em várias áreas da vida, quando são seus pais os acometidos e mortos pelo novo coronavírus. Em virtude disso, os tempos pós pandêmicos escancaram a situação de orfandade, já que milhares de crianças e adolescentes perderam mães, pais, responsáveis legais e/ou outros parentes, e muitas delas passaram a viver em circunstância de vulnerabilidade, uma situação que deve ser considerada como uma questão de emergência de saúde pública. A morte de familiares de maneira abrupta, como pode ocorrer devido à Covid-19, por seu caráter potencialmente traumático, pode gerar inúmeros desafios para as crianças. Partindo de tal pressuposto, o objetivo deste estudo foi compreender a expressão do luto em seus estatutos biopsicossociais em uma criança órfã de mãe pela pandemia da Covid-19. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória, caracterizada como estudo de caso clínico, com enfoque psicanalítico. O estudo atendeu a todos os requisitos éticos estabelecidos nas resoluções que regulamentam a pesquisa que envolve seres humanos e com o parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa. Participaram deste estudo uma criança de 09 anos, que passou por situação envolvendo a morte da mãe em decorrência da Covid -19, e uma irmã mais velha que assumiu seus cuidados. Com a criança, foram realizados 3 (três) encontros para o procedimento de coleta, e 3 (três) encontros para fins terapêuticos. Para análise dos dados resultantes da aplicação das técnicas projetivas, foram utilizadas as recomendações do próprio procedimento de Desenho Estória com Tema e do manual do Teste das Fábulas. Para integração dos dados e construção do caso clínico, a teoria psicanalítica, especialmente as contribuições winnicottianas, sustentaram as articulações. Como resultado, compreende-se que os sintomas que uma criança pode experimentar logo ou muito depois da perda de quem exerce a função materna podem repercutir em todos os campos do seu desenvolvimento. Deste modo, o estudo produz achados sobre a expressão biopsicossocial da criança enlutada, a vivência do luto familiar e localiza como um complicador as perdas secundárias. Assim, no processo do luto, é necessário que a criança vivencie os sentimentos e possa entrar em contato com as fantasias que decorrem da perda. A partir desses dados, articulados com a teoria psicanalítica, foi possível pensar que o trabalho de luto pode se beneficiar da capacidade da criança de criar um espaço de transição onde haja a possibilidade de reconstruir a realidade por meio de um impulso criativo e espontâneo, mesmo em condições difíceis como o luto pela morte da mãe. Por fim, destaca-se a necessidade de um olhar interdisciplinar no cuidado com a criança enlutada.
Experiência do Luto em uma Criança Órfã pela Pandemia da Covid-19, A
Daniela Ponciano Oliveira
Orientador(a)
Izabella Paiva Monteiro de Barros
Curso
Psicologia
Instituição
UFPA
Ano
2023