Skip to main content

Que os Viajantes Levaram?: A Cultura Material Marajoara em Invenção nos Museus Brasileiros e Norte- Americanos, Os

9 de Abril, 2025 . Teses Lucas Monteiro de Araújo

O século XIX demarca o surgimento do interesse da ciência moderna pelo Marajó. Nesse período, homens e mulheres viajantes singraram as águas do arquipélago na busca dos famosos vestígios arqueológicos descobertos em tesos e sítios da região, os quais despertaram o interesse de universidades e museus nacionais e estrangeiros. De igual maneira, ao transitarem por aquela realidade, esses/essas naturalistas não foram míopes aos seus aspectos sociais, relatando em artigos, livros, cartas e manuscritos os modos de vida das gentes que lá moravam. Em especial, ao aportarem na vila de Breves, ao sul do arquipélago, registraram destacadamente a produção de cerâmica indígena local que, da mesma forma que as peças coletadas nos tesos, foi enviada para instituições científicas brasileiras e internacionais. Cientes da existência e importância dessas coleções para a construção da ciência moderna, a hipótese central da tese é: a cultura material arqueológica e etnográfica foi o grande vetor da invenção de uma imagem ancestral de Marajó no oitocentos. Para além da pergunta título dessa tese, buscamos questionar: qual imagem sobre populações marajoaras, do passado e do presente oitocentista, foi construída a partir dos objetos levados para museus e universidades brasileiras e norte-americanas? À luz dessa indagação, objetivamos analisar aquilo que chamamos de “invenção marajoara”, ou seja, o processo de construção de uma imagem de Marajó a partir da cultura material musealizada no Brasil e nos Estados Unidos. O prisma analítico tomou como bússola os Estudos Culturais, pós-coloniais e decoloniais para iluminar investigações que metodologicamente trilharam instrumentos da pesquisa referencial no Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém), Museu do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (Maceió), Museu Nacional (Rio de Janeiro), Museu Peabody (Cambridge), Museu Kingman (Battle Creek), Museu Nacional de História Natural (Washington), Museu de arqueologia Antropológica da Universidade do Michigan (Ann Arbor), Universidade de Cornell (Ithaca), Faculdade de Albion (Albion), Faculdade de Hillsdale (Hillsdale), que reúnem coleções arqueológicas e etnográficas, formadas por doze cientistas, dos quais William Barnard, Charles Hartt, Ferreira Penna, Orville Derby, Joseph Beal Steere e Ladislau Netto são estudados mais detidamente por sua significativa produção literária. Como resultado, notamos que a cultura material transmigrada para os espaços museológicos e eleita para estudos pelos cientistas, foi interpretada à luz, principalmente, de um pensamento evolucionista e difusionista que legitimou uma imagem enaltecida dos ceramistas do passado, ao mesmo tempo em que inventou o presente antropológico como “degenerado”. Por esse enredo, em escala internacional, as peças arqueológicas foram utilizadas para reconstituir uma história da humanidade desde seus primórdios, enquanto as etnográficas ilustraram os descaminhos tomados por aquela sociedade. Em circuito nacional, os objetos foram fontes de uso político por uma elite que pretendia constituir-se nobre e buscava garantir seus privilégios de classe. Associar-se a um passado arqueológico imaginado foi basilar na invenção da história e da identidade não só marajoara, mas da Amazônia e do Brasil como um todo. Ocultas nas sombras dessa narrativa única, estão pessoas, objetos, memórias, saberes e práticas, cujas vozes, mesmo negligenciadas pelas letras da ciência oitocentista, pululam de suas entrelinhas e são, na medida do possível, aqui reveladas, bem como seus processos de apagamentos nas ambiguidades das zonas de contato.

Autor(a)

Lucas Monteiro de Araújo

Orientador(a)

Agenor Sarraf Pacheco

Curso

Antropologia

Instituição

UFPA

Ano

2021